Special Needs



"Você me embriaga!"
E então nos beijamos de novo. 

Seria insuficiente a descrição de um fenômeno denso e quase inexplicável. O gosto de sangue na boca, pois foi mordida vezes antes por conta da ansiedade, o vazio e a turbulência da mente quando não se sabe mais o que encontrar. Quando você conhece alguém a tantos anos mas, ao mesmo tempo não sabe nada, ou muito pouco, da mesma. A naturalidade exigida em um encontro como esse por vezes cega e aprofunda o mesmo nos mais difíceis questionamentos. Seria fácil agir se a pessoa em questão não mexesse com o seu espiritual. Perpassando além da carne, da mente (que ele simplesmente parece controlar com o olhar), chegando ao mais incólume dos desejos, dos pensamentos e anseios. A força que te faz querer desmaiar é a mesma que te faz agarrar os braços e puxá-lo para mais próximo. Você enlouquece. 
Porque não foi, não é e nem será qualquer pessoa, nunca. 
Os temores internos parecem gritar, pedindo libertação. Você já não é mais você, ou simplesmente é tão você, está tão despida e nua em frente a outra, que simplesmente não se reconhece. 
Leia-me. Você implora para que o outro o faça. Possua-me. Modifique-me.
"Parece me conhecer tão bem", é o que pensa. Mas nunca houve mais do que dois encontros. Se fosse tão crédula diria que isso vem de uma vida que não essa. Que te era amante e amigo antes mesmo de nascerem aqui, neste momento de caminhada. 
Pois ele é a única pessoa que você consegue olhar nos olhos por mais de um minuto e não desviar o olhar por vergonha ou medo em que ele ache que há algo errado ou feio em você. E quando os olhares se encontram você se sente despida, como se fosse possível enxergar o que existe além da carcaça moldada por todas as convenções sociais. Pois ele sempre esteve nos teus sonhos. Nos mais sensíveis e nos mais libertinos. E quando era o segundo, você ironicamente rezava para que a voluptuosidade não tivesse fim próximo. Mas acabava. E você nunca cogitou em ter aquilo de verdade, não para somente usar, mas para sentir, para que conhecesse. 
"Abra a boca" você sonhou.
E quando o fez, foram colocadas todas as estrelas existentes dentro de sua garganta, criando um infinto, uma fome insaciável do que era apresentado a sua frente. E você nunca o disse. Nunca o disse sobre a fome que lhe cegava, porque nunca achou que lhe fosse recíproco. 
E quando ele se vai você se sente doente por algumas horas. Como um vício. Lhe dão doses grandes do que mais te satisfaz e depois tiram de você por meses, anos. Até a falta fazer com que você quase esqueça o gosto, mas nunca as sensações. 
Por um momento você pensa estar enfeitiçada. Com direito a prece, a oferenda e pedido. Porque não sai do seu pensamento a forma como ele te toca, como te observa e te respeita. Diferente de todos os que te tocaram. Quando ele o faz sempre parece a primeira vez, a primeira vez da sua vida e a de vocês. Você se embebeda de todos os sentidos e se esforça quando fecha os olhos para sentir a fina brisa de um toque intenso que ninguém mais sabe reproduzir. 
Então surgem novos questionamentos. Por que as coisas não são simples ao ponto de simplesmente deixar acontecer com facilidade essa ligação tão incrível e não decodificável a nossos olhos? Pois se o que pensamos atrai outras coisas da mesma natureza eu penso na mesma todos os dias para conseguir ao menos um retorno. 
E ao mesmo tempo que você se deixaria enlouquecer pelo que ele é, pelo que ele representa a você e ao que lhe oferece, você pede para que não saia do seu campo de sanidade enquanto ele não está por perto. Porque tê-lo no plano físico dos dois corpos dividindo o mesmo espaço é um feito. Uma conquista em cima das truculências cosmológicas que os afastam. 
Esquecer nunca foi uma opção. Como esquecer aquele par de olhos? Injetados nos meus, descendo pela silhueta, digerindo-me em visão. Você quase implora para que ele fique. Dias e dias, por vidas. Implora que deixe você entrar na confusão de sua cabeça como tentativa de calmaria, que mesmo que em vão, lhe traria o prazer de tê-lo contigo. Pois você só quer sentir a loucura de perto. A mesma loucura que sai através do som das palavras, através do beijo contido querendo quebrar o muro da moral para lhe transcender, para te fazer mútua, e principalmente dele. 
"Eu me ofereço" -pensa- " e de bom grado."
Pois se há algo a ser sacrificado, que seja você. Em morte honrosa de prazer, enchendo-o do que deseja, sendo você o que há de se servir. "Sirva-se de mim, senhor."; e não se arrependerá. 
E nenhuma dessas coisas ditas se quer são suficientes para explicar o que é sentido. Porque não é desse plano, é ininteligível, é único. 
E o pedido aos céus e aos que quiserem ouvir é que não acabe. Que sacie diariamente a necessidade da presença, da fala e do delírio. Que volte a transpassar essa vida e suas missões, até uma próxima e que sempre haja tal encontro.


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