Ensaio sobre palhaços.

Portanto, não faça profundos mergulhos em pessoas rasas.

Eu quero a alegria do percalço dos palhaços. Das suas dinâmicas insensatas e de suas saídas cômicas e maestras das dificuldades que lhe aparecem. Quero despertar o inocente sorriso de quem já passou dos vinte. Quero me perder nas piadas, nas palhaçadas e nas incertezas dentro das certezas nas quais já conhecermos o final das mesmas. Quero refletir-me em mímica no outro. Brincar com os trejeitos, dar colo e chamego quando a aquela apresentação não for mais tão boa assim e em seguida ajudar a montar um novo roteiro, reaproveitando os bons devaneios e descartando os que já não nos servem mais.

Veja bem, não quero viver um espetáculo. Que a priori parece perfeito, no momento do descortinar para um público vasto e atento, mas que pouco sabe afundo o que se faz. Quero viver a produção frequente de um grande momento, uma produção diária e que não se vê fim, mesmo que por ora, cuidar dos detalhes, acertar as luzes e proporcionar uma experiência bela a quem faz e observa.

Pois, um espetáculo bem produzido todos os dias, faz a diferença.

Mesmo que sejam as mesmas brincadeiras, Aquele brevíssimo teor de rotina, que por vezes aterroriza, mas que para quem sabe lidar, se torna constante fonte de alegrias. Conhecer o outro nunca foi tão difícil. O que é engraçado, pensar em um momento em que estamos mais expostos do que jamais estivemos em nosso percurso terreno. 
Porém, cabe aqui pensar no QUE expomos e COMO o fazemos. Se há palhaços que se pintam, há quem utilize dos 'filtros' para disfarçar a si mesmo a tristeza e tentar, mesmo que com a insegurança certeira, uma forma de se aceitar.

Nas relações somos como palhaços. Em seus números mais 'bizarros', este mergulha em piscinas, faz peripécias em alturas, arrisca-te a vida. Só para agradar. Só para em pelo menos algum momento te fazer sorrir. 
Já pensou em quantas vezes foi palhaço?
Não digo pejorativamente. Digo em termos práticos, nessas pequenas ações diárias em que você queria para o outro ser algo bonito aos olhos. Ser sempre atrativo, sempre com algo que lhe chamasse atenção. 
No entanto, o palhaço lida com diferentes tipos de públicos. Os mais receptivos e os não tão receptivos assim. E quiçá ainda há aqueles que de forma alguma receptivos são. 

É culpa do palhaço? 
Não.

E nem nunca será. Pois tal processo serve para valorizar. Aquele que se apresenta a aquele que o assiste. 
Valorize o público que lhe dá audiência. 
Mas não qualquer audiência. Que seja aquela que te escuta e reproduz os versos que disse, mesmo que parafraseados, com a doçura de ter de fato entendido o que quis ser dito ali. Priorize quem sempre volta pra te ver. E que você percebe que mesmo as coisas estando loucas lá fora, esta pessoa vai querer rir o teu riso, mais um vez, só um pouquinho, sempre que der.
Uma pessoa que sinta saudades de você mesmo tendo assistido a poucos espetáculos. Mas que a marcaram de forma plena. 
Quando agimos como palhaços, transformando o mundo em um palco e que atuar nem de longe quer dizer que se minta, que se faça falsete ou coisa parecida.
E logo vemos que um número do palhaço nunca é mudado. 
O mergulho no copo d'água. 
Aquele perturbador em que de um trampolim o moço engraçado pula e mergulha sem fim em um copo de plástico. Pequeno ponto na vastidão de concreto chamado chão. 

Se prepara, se alonga, dá uma olhada. Sente frio na barriga, dá uma leve risada. Pensar em desistir, mas logo volta, quer porque quer mostrar a plateia amada o que faria para vê-la impressionada. Então com um impulso ele se joga. Queda livre nas suas memórias. Morrer já não importa mais.
E uma vez que mergulha se ausenta. Sumindo completamente. 

É assim que se há o amor.
Pessoas que mergulham em outras. Vezes desesperadas, vezes porque nadar por grandes áreas já tenha lhe cansado e aquele pequeno espaço já lhe supre o mundo.
Mas o problema do mergulho não é a queda livre, não é a preparação pensada e repensada, nem mesmo o incômodo de milésimos de segundos em se encaixar naquele copo de minuto ali posicionado. 
O problema é quando o copo lhe é raso.
Quando tudo aquilo finda num baque surdo. Quando não há pra onde nadar e você fica ali inerte na fina linha d'água entre a borda do copo e o chão, pois foi só isso que lhe permito foi. 
A apreensão da plateia, que no começo você achou que era atenção, na verdade era medo de que você logo visse que todas aquelas etapas de nada serviam. Que quando sentisse o líquido não teria tempo para aproveitá-lo, sairia doído, machucado e nem de longe recompensado por quem aparentemente assistiu. 

Mas talvez o bonito do palhaço é insistir no riso. É lamentar a plateia ruim por um instante, mas saber que logo mais serão outros e outras, em outros contextos, em outros momentos. E esperançar que desta vez dê pra nadar e que ao invés do vazio vai encontrar uns bons sorrisos, um bom canto de ser oceânico que te atraia para a vastidão a fim de consumir-te de forma completa, mas que te permita respirar sempre que preciso e que naquele pequeno copinho tenha espaço para novos planos. 
Sejam de roteiros novos ou de explorarem, agora palhaço e plateia, outros líquidos. Que hajam desafios duplos de cooperatividade e retribuição. 
E no findar de tudo, aquela será tua plateia diária na qual conhecerá a ti no profundo e vice e versa.

Então seja palhaço. Não limite tuas graças a plateia ruim que um dia lhe assistiu.
Azar o deles.
Não estaremos em boa forma todos os dias, sábio será quem souber pegar no ar a piada do palhaço quando ela for menos engraçada. 
Pois desta forma descortinará não só o palco mas quem ali está e logo então lhe será vivido um mergulho bonito. 

1 comentários:

  1. ducaralho... to apaixonado ... escrita perfeita, conseguiu alcançar um paralelo entre a própria metáfora e a realidade que muitas das vezes se torna tão tênue que me vejo palhaço e só, em um espetáculo de vida diário em que vivemos sem perceber... continue assim... um pedaço de você acabou de se tornar meu eternamente !

    ResponderExcluir

 

Instagram

Translation Bar