Inunda Janaína.


Eu não sei o que fazer agora. Venderam-me as sobras e eu já não mais sei o que fazer com tudo isso. Já não me ensinaram mais nada de novo e acabo sempre partindo do princípio de que a monotonia constante das vinte e quatro horas de um dia duro já se acomodam por osmose em minha rotina. Eu tive alguns heróis durante muitos anos, até que todos eles ficaram velhos demais e acabaram morrendo, mostrando que nem mesmo com todo nosso potencial e poderes exuberantes mostrados através de qualquer coisa simplista o maior deles seria, talvez encarar a morte como amiga e abraça-la quando ela viesse. 
Sentada aqui no meu canto eu tenho um café e um maço de cigarros fechado em cima da mesa com uma distância considerável entre nós que mesmo assim me faz considerar se deveria abrir ou não e fumar um deles. 
Descobri por um segundo enquanto por horas observo a luz do feixe andar durante o dia que meu momento de silêncio gritava e despertava além de mim, os outros. Uma pequena repulsa nasceu, sabe Deus o quanto detesto incomodar os outros. Por vezes já deixei de ser simpática e não dar se quer bom dia a quem passava com medo de chateá-lo, ou chateá-la porque não sabia se estavam em um bom dia mesmo. Mas isso são dúvidas de uma contemporaneidade que ou muito se preocupa com o outro ou simplesmente finge que não existem. São tempos de extremados. Em todos os níveis. 
Enquanto meu café acaba e eu me divido no tempo entre ler um paragrafo de Marquez ou Cortázar, pego-me divagando e criando minhas próprias histórias. Por vezes poéticas, por vezes insalubres, cheios de dedos, o mocinho morre e nem sempre tudo é feliz eternamente. Todo o realismo é assustador quando se cria qualquer coisa com ele. 
Ao fundo lamento não ter uma vitrola, me contento com o digital de um som de jazz baixo e bucólico que pouco me envaidece. Hoje acabei por me perder no eu. 
Uma tragada, duas. Pra quem não está acostumado com o gosto do tabaco, estou indo bem. Indo bem pra morte, é o que dizem. Mas não será por muito tempo. Tragada pelas águas de Janaína, inunda a minha vida mainha, não deixe eu me perder não. 
Eu vago nos poucos cômodos da 'casa' e me fazer companhia me pareceu a forma mais sensata de lutar contra os meus demônios. Ou ao menos conversar com eles. Vez ou outra o pecado me consome em pensamento, sempre que penso que não sou capaz ou que me perco em devaneios de como outro alguém consegue ser melhor, então eu me condeno a danação eterna terrena dos meus infortúnios nefastos.
E como o pássaro  azul de Bukowski, querendo sair do meu peito, eu tento sair da zona de conforto instalada nos quatro cantos do meu ser. Produto da criação da casa e do mundo, produto do que nós sempre fazemos com nós mesmos quando estamos aprendendo a andar mas nunca queremos saber como é a queda e a sua possibilidade de fazermos isso. 
É sempre uma corrida obscura entender que na tua singularidade e na diferença do outro as coisas podem ser. Até mesmo sobre a pequena irrelevância de não levar as coisas com a leveza que devem ser tidas, bloqueia-nos de conhecermos a nós mesmos e aprendermos com o outro.
Logo me questiono sobre quando foi que ficamos tão patéticos?
E consequentemente solitários em meio a multidões e multidões de pessoas que tentam se fazer presentes todos os dias. 
Quando me vi em hiatus, quando parei de produzir o que tanto amei por anos, quando as letras, as frases e os versos secaram achei que nunca mais voltaria a escrever.
E ter aquele lado morto em mim me fazia jazer em dor e perda na única pétala de rosa sobre um orvalho endurecido, que embora ali estivesse em nada regava. 
Estive com pessoas que me podaram as artes. 
A vida é dura quando lhe fazem isso. Tiram de você a poesia e te jogam numa realidade cinza, perdida, silenciosa e serena. Que logo enlouquece qualquer que seja gente. 
Agora que escorrem dos dedos as palavras que me suprem de seca e sede; eu me embebedo em mim e me embriago no outro que ali me inspira. 
Pois nunca se sabe quando a seca é que transborda, mas dessa vez eu saberei aonde todo esse jorro poético eu irei estocar. 

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